A intervenção do terapeuta da fala na neonatologia
O papel do Terapeuta da Fala (TF) é ainda desconhecido da maioria da população em geral que, habitualmente, reduz a função deste profissional essencialmente à intervenção com crianças, para “correção da articulação”. Contudo, o TF é o profissional de saúde que intervém com pessoas de todas as idades, desde recém-nascidos até idosos com perturbações ao nível da comunicação, linguagem, fala, deglutição e voz.
O TF pode atuar em diversos contextos nomeadamente em escolas, em clínicas, hospitais. Neste último local, um dos serviços onde o TF atua e tem um papel fundamental é nas Unidades de Cuidados Neonatais, onde presta cuidados na área da alimentação e comunicação ao bebé recém-nascido e aos seus pais.
Com o avanço da medicina, a sobrevivência de recém-nascidos (RN) de 26 semanas de idade gestacional, RN de muito baixo peso, bem como RN com doenças embrionárias e genéticas, malformações e lesões encefálicas aumentou exponencialmente. Contudo, uma grande parte destas crianças apresentam sequelas ao nível do desenvolvimento global, justificando assim a intervenção precoce de uma equipa multidisciplinar1, onde se inclui o TF.
A intervenção do Terapeuta da Fala (TF) na Neonatologia é uma realidade em muitos serviços dos hospitais portugueses. O Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa (CHTS) é um desses hospitais.
Neste artigo, contamos com o testemunho da Terapeuta Vera Seabra que intervém no serviço de Neonatologia do CHTS:
“Sou Terapeuta da Fala no CHTS e também dou apoio ao serviço de Neonatologia. Trabalhar neste serviço é trabalhar com fragilidades, medos, dúvidas e preocupações. É trabalhar com os bebés, mas também com os pais, e com uma equipa formada por vários profissionais.
Após dada entrada no serviço de Neonatologia, o bebé é avaliado pelo(a) Neonatologista. Este(a) faz pedido de colaboração ao serviço de Medicina Física e Reabilitação e o Fisiatra, após avaliação, inscreve o bebé para as valências de Terapia da Fala, Fisioterapia e/ou Terapia Ocupacional dependendo das dificuldades observadas e/ou relatadas pela equipa, da qual fazem parte os Pais, que acompanha a criança. De uma forma geral, nota-se alguma apreensão e curiosidade quando digo aos pais que sou Terapeuta da Fala e vou trabalhar com eles e com os seus bebés. Alguns até questionam o porquê da Terapia da Fala quando eles não falam!!!
O primeiro passo, é então, a minha apresentação e o esclarecimento sobre o papel do Terapeuta da Fala naquela unidade.
Tal como noutro serviço, a recolha de informação é primordial. Dados acerca da gravidez, do nascimento e do bebé tais como: a idade gestacional, se está ou não na incubadora, a forma como é alimentado, que tipo de leite faz e a quantidade bem como as dificuldades apresentadas, as suas rotinas, os sinais vitais e os hábitos parafuncionais (se usa ou não a chupeta e, se sim, de que forma) são essenciais e essa recolha é feita quer pelos dados fornecidos pela equipa médica quer pela conversa com os enfermeiros e com os pais. Após essa recolha, é feita a avaliação do bebé. Avaliação global e avaliação mais específica, isto é, a anatomia e funcionalidade de todas as estruturas do sistema estomatognático (lábios, língua, mandíbula, bochechas e véu do palato). De seguida, avalia-se os reflexos orais: reflexo de procura, de sucção, de morder e de deglutição bem como a tosse e vómito, a sucção não nutritiva, isto é, sem alimento e a sucção nutritiva. Independentemente da forma como o bebé é alimentado, isto é, seja ao peito ou ao biberon, é necessário avaliar a forma como a alimentação acontece. Se é segura, eficaz e prazerosa quer para a mãe/pai quer para o bebé. No caso de ser alimentado exclusivamente por sonda, é fundamental estar atenta aos sinais de prontidão para via oral que nos indicam se é seguro iniciar o leite dessa forma. A postura, a maneira como o bebé faz a pega no peito da mãe, o tipo de tetina (material, fluxo e tamanho) podem estar na base das dificuldades presentes durante a refeição. Estar atento aos sinais de stress e explicá-los aos pais é mais uma das preocupações durante o acompanhamento da família.
Após a avaliação cuidada de todos os aspetos acima referidos, pensa-se no plano de intervenção onde, em equipa, se fazem as modificações necessárias para promover uma alimentação segura e eficaz, garantir a nutrição e aumento de peso diminuindo, desta forma, as experiências negativas e contribuir para a alta hospitalar mais precoce.
Para além da importância na alimentação do bebé prematuro ou de risco ainda durante o internamento, a intervenção do Terapeuta da Fala na Neonatologia irá promover o normal desenvolvimento das estruturas orais para uma melhor aceitação de novos alimentos e/ou utensílios quando iniciar a alimentação complementar e, posteriormente, na correta produção de fala.”
Autores:
Dr.ª Ana Silva – Terapeuta da Fala
Co-Autores:
Dr.ª Vera Seabra – Terapeuta da Fala do Serviço de Neonatologia do Centro Hospitalar Tâmega e Sousa
Bibliografia
¹Marques, Ana (2017) A Intervenção do Terapeuta da Fala na Neonatologia. Revista Comunicativa. Edição 13. 5-7.