Hérnias Discais: qual o caminho que levamos até chegar aqui!?
Se está a ler este artigo é porque certamente já ouviu falar em hérnias discais. Mas será que este termo é corretamente usado de um modo geral na sociedade? Será que todas as patologias dos discos intervertebrais são hérnias, ou serão estas apenas um dos tipos de problemas que os discos podem originar? Porque é que tantas pessoas se queixam de “hérnias”?
A coluna vertebral é uma estrutura complexa composta por vários elementos. Desses, podemos destacar as vértebras e os discos intervertebrais, que iremos abordar mais especificamente ao longo deste texto.
O disco intervertebral é a estrutura que se localiza entre duas vértebras e é composto por um anel fibroso e um núcleo “gelatinoso”, que é um dos principais responsáveis pela função de amortecimento de carga e adaptação aos movimentos da coluna.
Este disco intervertebral sofre, como todos os tecidos do corpo humano, um processo de envelhecimento e degeneração importante, que tem início ainda em idade jovem. Na maior parte dos casos, este processo degenerativo é lento e constante, mas em alguns casos ele acelera-se e pode conduzir rapidamente à perda da integridade do disco e, consequentemente, pode provocar dor e incapacidade. Ao processo acelerado de envelhecimento denominamos doença degenerativa do disco, termo muitas vezes utilizado para descrever qualquer forma de degeneração do mesmo.
Embora seja um processo extremamente comum na população, em apenas 10%, a doença degenerativa discal dará lugar a dor e incapacidade crónica. Isto ocorre também porque não é propriamente a doença degenerativa discal que dá origem a essa incapacidade, mas sim as fases extremas, onde se incluem as roturas discais (hérnias), as protusões discais, a compressão nervosa e, na última fase, a estenose.
Existem vários fatores de risco que favorecem o instalar da patologia degenerativa discal. Alguns estudos apontam como fatores mais importantes, a componente genética, a componente ocupacional (trabalho a pegar objetos muito pesados e/ou tempos prolongados na posição de sentado) e o tabagismo.
Considerando que na componente genética não é possível intervir, já não se pode dizer o mesmo dos outros dois fatores de risco principais. O tabaco tem um impacto importante sobre os discos intervertebrais, sendo por isso fundamental eliminar o consumo do mesmo, especialmente em pessoas que tenham maior predisposição ao desenvolvimento da doença degenerativa discal. Relativamente a nível ocupacional podemos incluir vários fatores, como as alterações posturais, gestos técnicos errados, falta de exercício físico, entre outros. É neste ponto que o acompanhamento por um profissional de saúde, nomeadamente por um Fisioterapeuta e/ou Osteopata, é fundamental. Minimizar as alterações posturais, restaurar o equilíbrio corporal e corrigir a forma como realizamos os gestos técnicos do dia a dia, é essencial para reduzir o impacto e o desenvolvimento da doença degenerativa discal e diminuir a sua progressão para níveis mais graves como a hérnia discal.
Então nem tudo são hérnias?
Devido à doença degenerativa discal, produzem-se frequentemente fissuras no anel do disco. Com o tempo e a carga continuada, estas fissuras podem dissecar totalmente o disco, permitindo que o material do núcleo deslize para as regiões externas produzindo a dor lombar. Esta dor ocorre porque o terço externo do disco intervertebral está repleto de recetores de dor e de fibras que a transmitem.
Perante isto, apenas podemos referir que estamos perante uma hérnia discal apenas quando as fibras finais do disco rompem e o material do núcleo extravasa esta região.
Este mecanismo de rotura do disco pode ser progressivo por microtraumatismos repetidos (alterações posturais, gestos técnicos errados repetidos, p.e.) ou por um movimento repentino, por um esforço de levantamento de um peso a partir de uma flexão do tronco (um dos movimentos mais conhecidos na origem de dor lombar aguda) ou um acidente de carro com um movimento denominado “golpe de chicote” (no caso das hérnias cervicais).
Por este motivo é fundamental ter um corpo estruturalmente e funcionalmente capaz para a demanda necessária das atividades do dia a dia. As atividades laborais e do dia a dia que envolvem posturas mantidas no tempo, pegar em objetos pesados e posições/movimentos mais complexos, exigem ao corpo humano uma melhor preparação nomeadamente em termos posturais e musculares. Para além dessa capacidade muscular e postural permitir efetuar os gestos de modo a reduzir o seu impacto ao nível dos discos intervertebrais, essa preparação muscular vai funcionar como uma espécie de “amortecedor” e de “protetor” da coluna vertebral.
Por estes motivos, mais uma vez, a prática de exercício físico específico para a estabilidade da coluna, como é o caso do Pilates Clínico acompanhado por um Fisioterapeuta, é fundamental para minimizar o risco de desenvolver ou agravar a doença degenerativa discal, mas também para o caso de já ter níveis mais graves de patologia discal (protusão e hérnia) conseguir minimizar os seus impactos sintomatológicos e o aparecimento de situações de dor aguda.
Porque é que as hérnias “comprimem os nervos”?
Na hérnia discal, como mencionado em cima, o material do núcleo do disco desloca-se para o seu exterior, alojando-se no espaço em redor do nervo correspondente. Aqui, este material é considerado como estranho e desenvolve uma resposta inflamatória crónica. As células do núcleo infiltradas para lá das margens do disco, libertam mediadores inflamatórios e podem induzir neovascularização e inflamação persistente. Essa inflamação persistente em conjunto com a componente glicoproteica do material do núcleo do disco, alteram as propriedades de condução do nervo bem como irritam as membranas que o envolvem e que transmitem informação dolorosa.
Voltando então às perguntas iniciais, podemos considerar que o termo “hérnias” é, na maioria das vezes, utilizado para generalizar a patologia discal mas apenas numa pequena percentagem é utilizada corretamente, pois hérnia é apenas um dos níveis mais graves da patologia discal e há muitos patamares anteriores a este que desenvolvem sintomatologia até semelhante. Os problemas discais são uma patologia extremamente comum, especialmente numa sociedade cada vez mais sedentária e exigente no dia a dia e que fisicamente está cada vez menos preparada para essas mesmas tarefas.
No entanto, não se esqueça, a sua postura e a sua preparação física é preponderante, e isso explica por que é que quase todos temos patologia discal mas só algumas pessoas sofrem de dor derivada da mesma.
Autor:
Dr. Bruno Ferreira, Fisioterapeuta e Osteopata
Referências Bibliográficas:
- Ricard, F. (2020). Tratamiento Osteopático de las Lumbalgias y Lumbociáticas por hérnias Discales. Editorial Medos.